Conheça as tecnologias que permitem transformar o que seria
jogado fora em fonte de energia, combustível para carros e até de metais
preciosos. São ideias que valem ouro.
por Priscilla Santos | Ilustrações: Samuel Rodrigues
A cada ano, 1,3 bilhão de toneladas de lixo são produzidas
em cidades do mundo todo. Essa quantidade ainda deve dobrar. De acordo com o
Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), em 2025 o número chegará aos 2,2
bilhões, colocando-nos em uma espécie de crise global de lixo em que o
principal vilão é a má gestão por parte dos governos.
No Brasil, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos determina
que, até 2014, todos os lixões sejam extintos no país. “Acho a meta positiva,
mas não acredito que será tão rápido”, afirma Jorge Hargrave, do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que divulgou em outubro um mapeamento da
gestão de resíduos. Os resultados mostram que, embora a quantidade de lixo
levada para aterros sanitários tenha crescido 120% nos últimos anos, a maior
parte ainda é despejada nos lixões e aterros controlados (entenda as diferenças
ao lado), gerando de problemas de saúde pública e poluição atmosférica até
questões de transporte. “Na Amazônia, alguns aeroportos fecham durante o dia,
pois não há teto para decolagem e pouso, tamanha a quantidade de urubus
atraídos por lixões”, afirma Luciano Basto, especialista em planejamento
energético e professor de pós-graduação em engenharia na UFRJ.
Mas o que é problema pode se tornar solução. “Temos a
oportunidade de converter os resíduos em combustível, dinamizando a economia
interna e gerando postos de trabalho”, diz Basto. Os projetos de aproveitamento
do lixo para geração de eletricidade já têm seus representantes no Brasil.
Mundo afora, soluções ultratecnológicas já são aplicadas. Transformar plástico
usado em petróleo, usar cerveja vencida para acelerar a formação de gases e
extrair ouro puro de celulares velhos são algumas das alternativas hi-tech que
você conhece a seguir.
Cerveja para as
bactérias
Quando restos de comida, papel, folhas de árvore ou qualquer
outro tipo de matéria orgânica vai para os aterros, com o tempo, se decompõem.
Mas esse prazo pode ser mais longo do que se pensava. Um estudo da Universidade
do Arizona encontrou bifes de 15 anos de idade intactos e jornais de 30 anos
ainda legíveis. O que não é nada positivo quando a ideia é aproveitar o metano
que resulta da decomposição.
Pensando nisso, a Waste Management, maior companhia
americana de gestão de resíduos, investiu em um método que consiste em instalar
um encanamento no solo dos aterros e fazer circular ar nas camadas superiores e
um líquido que mistura cerveja e refrigerantes vencidos nas inferiores. O ar
ajuda a degradar o material orgânico das superfícies e acelera a produção de
metano abaixo. Com o processo, a geração de gás tornou-se quatro vezes mais
rápida e os resíduos acumulados diminuíram em 35%, aumentando a vida útil do
aterro.
A produção de energia a partir do lixo é um dos principais
focos da companhia, que estimou que as 112 milhões de toneladas de resíduos que
jogou fora em 2011 teriam gerado mais de US$ 40 bilhões se tivessem sido
convertidas em eletricidade.
2) Crédito de Carbono
Dando o maior gás
Uma das maneiras mais básicas de se aproveitar o metano
produzido em aterros é esperar o tempo natural para a maior parte dos detritos
se decompor (20 anos) e, ao final do processo, recolher o gás e queimá-lo para
geração de eletricidade. Pode não ser a forma mais eficiente — muitas vezes, a
captura acontece quando o aterro se fecha —, mas ao menos se evita a dispersão
de um gás com poder de efeito estufa 23 vezes maior do que o CO2.
A técnica vem sendo aplicada em cerca de 35 aterros
brasileiros. O pioneiro é o NovaGerar, de Nova Iguaçu (RJ), que iniciou um
projeto nesses moldes em 2004 e se tornou o primeiro aterro do mundo a vender
créditos de carbono — pelo Protocolo de Kyoto, quando se deixa de poluir em
países em desenvolvimento, é possível comercializar esse “crédito” para países
ricos.
Depois, vieram projetos maiores, como os dos aterros São
João e Bandeirantes, na cidade de São Paulo, que juntos respondiam por quase um
quarto das emissões de gases de efeito estufa da capital. A captura do gás
passou a gerar energia suficiente para o consumo de 800 mil pessoas. Os
créditos de carbono do projeto foram negociados por R$ 140 milhões, metade
ficou para as empresas privadas que bancaram o projeto e a outra metade para a
prefeitura de São Paulo, que não teve custo nenhum e ainda fez bonito.
3) Biodigestão
Carro movido a lixo
Abastecer o carro com lixo não é mais coisa do filme De
Volta para o Futuro, mas do presente. Em Estocolmo, na Suécia, metade da frota
de ônibus municipal circula com combustível gerado a partir do lixo orgânico e
esgoto. Essa poderia ser uma boa oportunidade por aqui. “O lixo brasileiro é de
país subdesenvolvido, a maior parte é resto de comida”, afirma Luciano Basto.
Do total dos resíduos gerados, 51% são matéria orgânica e apenas 1,6% passa pela
compostagem para virar adubo.
A proposta é encaminhar essa montanha de lixo não para
aterros, mas para biodigestores, usinas com enormes tanques cheios de bactérias
famintas. “Os orgânicos são a dieta preferida delas, o que acelera o processo
de decomposição dos resíduos e aumenta a produção de gás”, diz Basto.
Ao final de 18 dias, já se teria o biogás (mistura de
metano, CO2 e água, entre outros componentes). Depois de tratado, o composto
poderia atingir uma concentração de metano de até 99%, mais do que os 96%
exigidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para ser usado como
combustível para veículos. Assim, o produto poderia ser colocado diretamente no
tanque de carros, além de substituir o diesel em frotas de caminhões e ônibus.
“Vale mais a pena do que queimar o gás. No Brasil, a eletricidade gerada pelo
lixo é cara se comparada às outras fontes que temos, mas o gás é barato frente
ao diesel e à gasolina.”
4)
Incineração/Gaseificação
Bota fogo
A Holanda é um país-exemplo no tratamento de resíduos sólidos.
Recicla 80% deles e só joga 4% em aterros. Os outros 16% são queimados e geram
eletricidade. “Quando se fala em grandes volumes de resíduo, a tecnologia mais
madura é a incineração”, afirma o engenheiro mecânico e doutor pelo MIT Josmar
Pagliuso. Nesse caso, se aproveita o calor da combustão para gerar vapor d'água
que movimenta as turbinas de um gerador.
Apesar de difundida no Japão e em países como Suíça e
Alemanha, a incineração gera polêmica por se acreditar que não seria possível
controlar totalmente a emissão de dioxinas e furanos, componentes altamente
tóxicos. Pagliuso argumenta que a quantidade dissipada é tão pequena que seria
difícil encontrar um laboratório capaz de medi-la. "Eu não estaria
desconfortável ao lado de um incinerador que funcionasse com tecnologias
modernas”, diz. Isso quer dizer um processo de limpeza de alta capacidade. “Mas
precisaria de tantos filtros que se inviabilizaria”, afirma Jorge Hargrave, do
Ipea. Na Alemanha, as plantas de incineração custaram tanto que foi preciso
passar a importar lixo da Itália para fazer o investimento valer.
Uma alternativa que vem se desenvolvendo é a gaseificação do
lixo que gera gases como monóxido de carbono e hidrogênio, de poder
combustível. Aí sim, eles são queimados para gerar eletricidade. “O
aproveitamento de energia sobe de 25% a 40% em relação à incineração. E você
filtra o gás antes de queimar”, diz Pagliuso. Assim, as emissões finais
praticamente não requerem tratamento. “É um processo mais complicado, porém
mais limpo.”
5) Fábrica de
Petróleo
Caminho de volta
Para se fabricar plástico, primeiro se extrai petróleo, sua
principal matéria-prima. A Agilyx, empresa sediada em Oregon, nos EUA, levou
essa lógica ao revés e está tirando petróleo de plástico — evitando as operações
complexas e poluentes para se conseguir o material fóssil em alto- mar. No
processo, todo tipo de plástico — inclusive o que estiver sujo, contaminado ou
engordurado — é aquecido até a forma gasosa, depois passa para um sistema
central de condensação. Dali, já sai o óleo cru, como é chamado o petróleo
bruto. A usina tem capacidade de converter 10 toneladas de plástico em 2.400
galões de petróleo a cada dia. E não concorre com a reciclagem, uma vez que só
utiliza material que iria parar de qualquer maneira no aterro por ser difícil
de ser reaproveitado.
6) Usina de açúcar
Perfume no ar
A ideia de fazer produtos cheirosos com insumos que vêm do
lixo não parece boa. Mas é uma das sugestões da startup americana Renmatix. A
empresa transforma sobras de madeira em um tipo de açúcar que pode substituir o
petróleo na fabricação de combustíveis, plásticos e embalagens, ou químicos de
alto valor agregado, como os usados em perfumes. A companhia usa água em alta
pressão e temperatura para dissolver a celulose presente em materiais
orgânicos. O açúcar que resulta do processo pode ser fermentado para produzir
etanol e outros químicos. Recentemente a empresa recebeu um investimento de US$
75 milhões para testar a técnica com resíduos urbanos, como papel, papelão e
entulhos. Se funcionar, pela primeira vez teremos cheiro bom vindo do lixo. A
ideia de fazer produtos cheirosos com insumos que vêm do lixo não parece boa.
Mas é uma das sugestões da startup americana Renmatix. A empresa transforma
sobras de madeira em um tipo de açúcar que pode substituir o petróleo na
fabricação de combustíveis, plásticos e embalagens, ou químicos de alto valor
agregado, como os usados em perfumes. A companhia usa água em alta pressão e
temperatura para dissolver a celulose presente em materiais orgânicos. O açúcar
que resulta do processo pode ser fermentado para produzir etanol e outros
químicos. Recentemente a empresa recebeu um investimento de US$ 75 milhões para
testar a técnica com resíduos urbanos, como papel, papelão e entulhos. Se funcionar,
pela primeira vez teremos cheiro bom vindo do lixo.
7) Plasma
Digno de estrelas
Lixo hospitalar, metais pesados e outros contaminantes podem
virar pó — ou melhor, grãos —, embalados em vidros e usados na fabricação de
asfalto, não oferecendo mais riscos à saúde e meio ambiente. Essa seria a
grande vantagem da tecnologia de plasma, já aplicada em plantas das Forças
Aéreas americanas, além de aterros que recebem lixo urbano nos EUA, França e
Japão.
O plasma — espécie de gás carregado de eletricidade considerado
o quarto estado da matéria, que compõe as estrelas — é usado para degradar
materiais que resistem a uma primeira etapa de gaseificação. A temperatura no
tanque onde ficam as tochas com plasma chega aos 9.000 ºC. “Vale a pena para
lixo tóxico e em pequenas quantidades porque o processo demanda muita energia
elétrica”, afirma Pagliuso. Mesmo gerando eletricidade, ela não seria
suficiente para dar conta do funcionamento da máquina.
8) Reciclagem
Olha eu aqui de novo
A planta da Closed Loop, em Dagenham, Inglaterra, é um dos
exemplos de como o processo de reciclagem vem evoluindo. Especializada em
garrafas PET e HDPE (plástico usado em embalagens de leite, no país), a usina
tem leitores óticos para separar as garrafas por composição e cor. As
embalagens de HDPE coloridas são, em geral, usadas em produtos de limpeza e
precisam ser tiradas do processo — já que a Closed Loop irá usar o plástico
reciclado para fabricar novas garrafas para alimentos. Por isso, após lavado e
picotado em grânulos, o PET têm sua superfície removida e o que sobra ainda é
esterilizado. Já o HDPE é aquecido até derreter, eliminando qualquer
contaminante. O material é aprovado por órgãos de regulamentação de saúde
americanos e europeus para embalar alimentos.
9) Mineração urbana
Vale ouro
De cada tonelada de minério é possivel tirar 8 gramas de
ouro. Da mesma quantidade de sucata eletrônica, se extraem 100 gramas do metal.
E a preciosidade encontrada no lixo eletrônico — que tem boa parte enviada para
a China e países da África, onde contaminam o solo e as águas com metais
pesados — não se resume a essa joia.
Celulares, baterias e laptops também contêm outros minerais
valiosos — como prata e cobre. Eles vêm sendo garimpados e reutilizados em uma
técnica conhecida como mineração urbana.
Um dos líderes desse filão é a mineradora sueca Boliden.
Cerca de dois terços de toda sua extração de ouro vêm da reciclagem.
Recentemente, a empresa expandiu a capacidade de sua usina de separação de
metais para 120 mil toneladas por ano.
A cadeia começa lá atrás: os aparelhos usados são recolhidos
e enviados para a indústria de reciclagem, que separa os componentes em
plásticos, vidros e metais. A Boliden recebe, então, o chamado e-scrap (sucata
eletrônica), composto por placas-mãe de computadores, por exemplo. O material é
fundido e refinado para extração de ouro, prata e cobre. O processo pode se
repetir continuamente, já que os metais nunca perdem a qualidade. Com uma mina
dessas à vista, muitos países podem passar a manter sua sucata eletrônica bem
longe das fronteiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário